Parceria TED-Incra/UFPR viabiliza condições de acesso a documentos fundiários a partir de processo de digitalização
Por Priscila Murr | Agência Escola UFPR
16 de julho de 2025
Os documentos possuem valor probatório e simbólico em nossa sociedade. Essenciais tanto para a construção da memória coletiva quanto para organização, validação de direitos/deveres e para subsídio na tomada de decisões, eles facilitam a comunicação, garantem a segurança jurídica e contribuem para a eficiência em diversos contextos ao longo da história. Sua importância social se dá a partir do registro e da preservação de informações. Mas a documentação apenas por meios analógicos pode comprometer a integridade desse tipo de material. E é a partir dessa problemática que o Laboratório de Geoprocessamento e Estudos Ambientais (Lageamb) desenvolve o Projeto 01 – Gestão Documental (GD) – do Termo de Execução Descentralizada (TED), firmado em 2022 e com conclusão prevista para 2026, entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Universidade Federal do Paraná (UFPR).
O atual coordenador técnico do projeto, Andre Vieira de Freitas Araujo, integra o Departamento de Ciência e Gestão da Informação da Universidade Federal do Paraná (DECIGI/UFPR), que “é muito dedicado a lidar com questões caras ao problema da digitalização e da documentação”. Bacharel em Biblioteconomia e Documentação, mestre em História Social e doutor em Ciência da Informação, o docente está, desde 2024, como coordenador do Curso de Gestão da Informação da UFPR. Ele conta que essa gestão documental do TED-Incra/UFPR “vai além do simples ato de documentar”. “Quando a gente usa o termo ‘documentação’, não é simplesmente o ato de documentar, é muito mais do que isso: é criar parâmetros, produtos e recursos que permitam que um conjunto de documentos, que até então estavam em uma situação, passem a estar em outra, que é a condição de acesso. Então, o trabalho de GD é promover o acesso a uma parte da documentação fundiária produzida e acumulada pelo Incra”.
Assim, a GD atua por meio de processos técnicos de documentação, que incluem, notadamente, o processo de digitalização. No entanto, como ressalta Araujo, “não só digitalização. Nós realizamos o tratamento, com o trabalho de higienização, por exemplo, e a ‘indexação’ dessa documentação, ou seja, informamos, dentro do sistema, quais são as características desses documentos e como eles devem e podem ser recuperados ou localizados”. O coordenador enfatiza, ainda, que ‘digitalizar’ não é tão somente ‘escanear’, pois esse processo envolve diversas questões legais. Então, com foco no material produzido e acumulado pelo Incra Paraná, o projeto é efetivado, mediante o apoio da Arquivologia e da Ciência da Informação, áreas do conhecimento que interligam esse processo subsidiando metodologias e acesso a documentos.
Esse acervo documental, cujo tratamento e digitalização fazem parte do escopo do Projeto 1 TED Incra/UFPR, é composto, em sua maioria, por documentos textuais, originados de processos administrativos relacionados à regularização fundiária (regularização, ratificação, livros fundiários, títulos declaratórios, cláusulas resolutivas, GETSOP, cadastro rural, cadastro de informações, desmembramentos, processos de estrangeiros, loteamentos, quilombolas, administrativos de fiscalização), e a processos relativos à reforma agrária, mais especificamente sobre os projetos de assentamento. Nesse contexto, o coordenador técnico do projeto aponta para os quatro produtos previstos dentro do Plano de Trabalho da GD: digitalização e indexação de processos; digitalização e indexação de livros fundiários; mapas ou plantas de grandes formatos digitalizados; e mapas ou plantas de grandes formatos vetorizados.
Trabalhando como coordenador imediatamente antes de Araujo, o doutor em Ciências da Comunicação e atualmente membro técnico do TED-Incra/UFPR, Rodrigo Botelho-Francisco, fala sobre o desafio constante com relação à preservação de documentos, uma vez que, durante o trabalho desenvolvido, ele e sua equipe se depararam com a necessidade de estabelecer um processo de desinfestação de fungos, especificamente do gênero Aspergillus, nos livros fundiários do Incra/PR. Ele aponta que, em países como o Brasil, as condições ambientais criam um ambiente propício para o desenvolvimento de microrganismos, e esse cenário representa não só uma ameaça à preservação de acervos, mas também à saúde humana.
“Em 23 de agosto de 2023, 28 caixas, contendo 480 livros fundiários provenientes de Cascavel (PR) foram transportados para o Centro Politécnico da UFPR, e recebidos na sede do Lageamb. Esses materiais foram cuidadosamente armazenados em uma sala especialmente preparada, equipada com estantes adequadas, espaço para armazenamento das caixas e câmeras de segurança para vigilância contínua. Com a triagem e análise do acervo, revelou-se a presença de fungos em uma proporção significativa dos documentos. A partir disso, a capacitação dos profissionais envolvidos, ministrada por especialistas em conservação de documentos, foi crucial para assegurar a correta execução das etapas subsequentes. Então, seguindo protocolos rigorosos, fizemos a desinfestação por atmosfera de anoxia, um método atóxico que utiliza gás inerte para criar um ambiente livre de oxigênio, que é ecologicamente sustentável e garantiu a completa eliminação dos fungos“, narra Botelho-Francisco.
Os documentos permaneceram em quarentena e esse processo todo durou cerca de 10 meses, até que o material estivesse em condições de ser manuseado de forma segura. E os resultados desta intervenção não só comprovam a eficácia do método de na preservação dos livros fundiários, mas também oferecem um modelo de procedimento. “Este trabalho não apenas restaurou a integridade física e a legibilidade dos documentos afetados, mas também estabeleceu protocolos eficazes que podem ser replicados em outras instituições com desafios semelhantes de preservação documental. O sucesso desta intervenção destaca a importância da colaboração entre especialistas em conservação e gestores de acervos para a aplicação de práticas sustentáveis e inovadoras na proteção do patrimônio histórico e administrativo do Incra/PR“, garante o membro técnico que era coordenador da GD à época do ocorrido.
Como o acervo documental da Superintendência Regional do Incra no Paraná está localizado fundamentalmente em Cascavel, mas também há material em Curitiba, Araujo aponta que há equipes nos dois locais: uma trabalhando na Capital do Oeste e duas em Curitiba, alocadas no próprio Incra e também no Lageamb (CEHPAR). Toda transferência desses documentos é realizada a partir de um trabalho que envolve uma metodologia específica, além de complexa logística, como explica o atual coordenador da GD: “Tem uma equipe que está terminando uma etapa do projeto, então, estamos trazendo mais documentos – desta vez, são 1.000.000 de páginas – com base em parâmetros adotados desde a concepção do plano de trabalho do projeto. Como a documentação está predominantemente em Cascavel, o transporte desse material é complexo, pois envolve estudos de liberação de espaço físico, recursos, contratação de empresa, mobilização de boa parte da equipe e, inclusive, escolta armada!“.
Nesse sentido, a GD possui uma estrutura administrativa que reúne mais de 50 pessoas e tem formato descentralizado, com coordenadores, professores em frentes técnicas, supervisores, líderes e bolsistas de graduação. Equipes interdisciplinares são responsáveis pelas etapas de digitalização que incluem: tratamento, controle de qualidade e indexação, bem como digitalização e vetorização de mapas. Integrante da equipe técnica do projeto e atual líder, o historiador e graduando em Biblioteconomia, Lucas Ribeiro Aal Sant’Ana, descreve sua experiência na GD, evidenciando o caráter enriquecedor da abordagem interdisciplinar.
“Aqui, tenho a possibilidade de colocar em prática meus conhecimentos como historiador e o que venho aprendendo na biblioteconomia. Reunir essas expertises é interessante não só pelo caráter interdisciplinar do próprio projeto, mas porque é a partir de todo esse trabalho que eu ajudo, oportunizando àquelas pessoas que nunca tiveram um documento de suas terras, por exemplo, alguma segurança. Então, vai muito além do técnico!”, declara. Sant’Ana conta que as atividades que desempenha o levaram até mesmo à decisão de cursar a segunda graduação, e enfatiza, sobretudo, a importância da atuação do projeto como forte componente de justiça social, apontando que um documento não significa apenas ‘registro’, ele possui valor simbólico, serve não só para comprovar que o assentado tem direito àquela terra, por exemplo, mas também para conservação da própria memória do Incra/PR.
O Programa Transferência de Tecnologia para o Desenvolvimento (TTD) do Incra/UFPR, estruturado pelo Lageamb, possui oito (8) projetos, que podem ser consultados neste link, e abrangem desde a gestão documental até a análise ambiental e busca cartorial, entre outros. Já o Termo de Execução Descentralizada (TED) é um acordo que permite o repasse de recursos para que outras entidades executem projetos específicos, ao invés de centralizar as tarefas em uma única instituição. Esse instrumento tem validade quando se trata de uma mesma esfera de governo: um órgão (unidade descentralizadora) delega a outro (unidade descentralizada) a execução de uma atividade – isso serve para otimizar a execução de ações de interesse mútuo. E o Projeto 01 oportuniza justamente a Gestão Documental, a partir do Programa de Regularização Fundiária das Ocupações Incidentes em Áreas Rurais da União e do Incra no Paraná, firmado mediante Termo de Execução Descentralizada (TED) entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Universidade Federal do Paraná (UFPR), o qual é executado Laboratório de Geoprocessamento e Estudos Ambientais (Lageamb).
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