Em celebração ao Dia do Geógrafo (29/06), conheça algumas das atividades que a ciência da geografia oferece dentro do Lageamb, do mapeamento de risco à pesquisa acadêmica
Por Cecilia Sizanoski
Mais do que estudar mapas ou localizar fenômenos no espaço, a Geografia oferece ferramentas para conectar saberes, compreender territórios, prevenir riscos e imaginar futuros mais justos. É a partir dessa lógica que o professor e pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do Lageamb, Eduardo Vedor de Paula, define o papel do geógrafo: “Somos integradores. Nossa formação une bases sociais, ambientais e tecnológicas, e isso nos permite colaborar na construção de políticas públicas e no diálogo entre diferentes áreas”. Para ele, a Geografia é a ciência que estuda as relações entre o ser humano e a natureza e é ela que permite entender a fundo alguns dos principais problemas contemporâneos, como a crise climática.
A geografia é uma área que integra vários campos de trabalho e permite o estudo de diferentes técnicas e habilidades. “Na universidade, aprendemos de forma separada sobre relevo, solos, vegetação, clima e população, mas na atuação profissional as coisas estão integradas em sistemas complexos. Para entender essa complexidade é fundamental conhecer um pouco de cada área”. No Lageamb, essa visão ganha forma em projetos concretos. “O que a gente vem estimulando no laboratório é justamente que as pessoas interajam e experimentem diferentes projetos sempre que possível”, defende o coordenador.
Dessa forma, o laboratório se apresenta como um espaço de experimentação e especialização para os geógrafos, que atuam em diferentes frentes. Para comemorar o Dia do Geógrafo, aqui falamos um pouco sobre cada uma dessas possibilidades.
Uma das frentes de atuação dos geógrafos do laboratório é a elaboração de mapas falados. “São mapas em que um grupo de pessoas, que vivem em um determinado território, falam sobre o seu espaço ao mesmo tempo que desenham isso em um papel”, explica a bolsista e geógrafa Letícia Nunes da Costa. Os mapas são feitos oralmente, de maneira coletiva e sem o uso de técnicas ou ferramentas complexas, “já os mapas tradicionais são elaborados por profissionais, envolvendo muitos equipamentos e, na maioria das vezes, sem incorporar o conhecimento e a experiência das pessoas que fazem parte do espaço que vai ser mapeado”, esclarece.
Para construir um mapa falado, a metodologia começa com um encontro comunitário, que pode ocorrer em escolas, igrejas ou espaços ao ar livre. A equipe apresenta o objetivo da atividade e convida as pessoas a compartilharem memórias e referências do território. Enquanto a conversa se desenrola, uma ou duas pessoas vão registrando os relatos em forma de desenho. “O processo envolve muitas risadas, troca de experiencias e memorias entre os mais velhos e os jovens, uma certa timidez de falar e desenhar. Ao final, sai um mapa simples, mas de uma riqueza sem igual”, avalia a pesquisadora
Uma história curiosa veio de uma comunidade onde, durante a construção do mapa, moradores mencionaram pilares de uma antiga construção ligada à escravidão. A equipe procurou o local, mas não encontrou nada. “Já estávamos indo embora quando alguém tropeçou. Era um traço muito retilíneo no meio da mata. Seguimos aquele caminho com os olhos e os pilares começaram a surgir. Eles estavam ali o tempo todo. Uma árvore já crescia sobre um deles”, lembra Letícia. “Parecia que tinham brotado do chão, silenciosamente.”
Mapear o território a partir do céu é uma das especialidades dos geógrafos do Lageamb. Por meio do aerolevantamento — técnica que utiliza drones e outras aeronaves para capturar imagens — é possível produzir mapas precisos e modelos detalhados do terreno. Mais do que fotos aéreas, os dados seguem padrões rigorosos, o que garante alta precisão nas informações coletadas.
As imagens obtidas são processadas em softwares especializados e transformadas em produtos cartográficos como mapas, modelos 3D do terreno e outras representações digitais. Os dados têm aplicação direta em atividades como marcar com exatidão os limites de uma propriedade rural, identificar áreas de risco ambiental ou para fazer um planejamento territorial.
Uma das pesquisadoras à frente dessa área no Lageamb é a geógrafa Marianne Oliveira. Ela explica que o laboratório utiliza diferentes tipos de drones e sensores, conforme a demanda de cada projeto: “Utilizamos drones da linha DJI Mavic em levantamentos mais convencionais ou para fotografias, e o Matrice, equipado com sensor LiDAR, quando há necessidade de informações do terreno, e maior densidade de pontos para detalhamento da altimetria do terreno”. Também entram em cena câmeras multiespectrais e sensores termais conforme a complexidade da área estudada. Sobre os principais desafios, Marianne destaca a curva de aprendizado em algumas das tecnologias e a escolha das mais adequadas para cada projeto: “São desafios rotineiros que acabamos por sempre encontrar e na medida do possível, resolver”.
Os aerolevantamentos, os mapas falados e as demais atividades realizadas pelo Lageamb têm um ponto em comum: todos esses trabalhos geram grandes volumes de informações espaciais, que precisam ser armazenadas, organizadas e acessadas de maneira eficiente. É aí que entram os Bancos de Dados Geográficos.
No Lageamb, um dos responsáveis por essa etapa é o geógrafo Utaro Borges, que atua diretamente na estruturação e manutenção dos bancos de dados. Para ele, esses sistemas são fundamentais para o planejamento territorial. “É um trabalho que demanda tempo e cuidado ao gerir esses dados, onde os bancos de dados vieram para facilitar o processo de gestão, edição e compartilhamento”, explica.
De acordo com Utaro, além de organizados localmente, esses dados muitas vezes são integrados a plataformas de visualização online, conhecidas como WebSIGs (Sistemas de Informação Geográfica na Web), que permitem acesso público ou restrito, dependendo do projeto. Essas ferramentas ajudam a democratizar o acesso à
informação geográfica, tornando os dados úteis não apenas para pesquisadores, mas também para órgãos públicos, organizações da sociedade civil e comunidades envolvidas nos projetos. Instituições como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) são exemplos de órgãos que utilizam os BDGs para subsidiar tomadas de decisão e organização de políticas públicas.
Outro eixo importante da atuação do Lageamb é o mapeamento de riscos socioambientais, especialmente no projeto Periferia Sem Risco. Através dele, o laboratório coordena a organização dos Planos Municipais de Redução de Risco de Colombo e Paranaguá, como parte de uma ação articulada. A geógrafa bolsista do projeto, Martha Cavalheiro Bock compartilha os principais objetivos do mapeamento de risco: “Buscamos elaborar estratégias eficazes para mitigar os riscos presentes e consequentemente melhorar a qualidade de moradia naquele local”. Ela explica que entre os compromissos que assumem ao fazer a atividade, o destaque é “reduzir ao máximo a necessidade de realocação de famílias, priorizando soluções que garantam segurança sem quebrar os vínculos sociais e territoriais já estabelecidos”.
O levantamento segue uma metodologia composta por cinco etapas principais. Primeiro, com apoio da prefeitura, são definidas as áreas prioritárias para análise. Em seguida, são realizados campos de reconhecimento para identificar ameaças e vulnerabilidades, além de promover o diálogo com a população local. Na terceira etapa, drones captam imagens aéreas que auxiliam na leitura do território. Depois, vistorias detalhadas são feitas nas casas e arredores de cada localidade, com a participação ativa da comunidade e dos atores locais. Por fim, todas as informações são sistematizadas para definir os setores de risco, detalhar as áreas mapeadas e elaborar os materiais gráficos que orientam decisões do poder público e das comunidades.
De acordo com Martha, diferentes localidades podem estar sujeitas a distintos tipos de ameaças. Nos casos de Colombo e Paranaguá, foram identificados riscos de origem hidrológica, como inundações em áreas próximas a canais fluviais, e geológica, como deslizamentos em áreas de relevo acidentado. Em Paranaguá, o mapeamento apontou ainda o avanço da maré e a erosão costeira em áreas próximas a manguezais e comunidades caiçaras. É possível ainda identificar riscos de origem tecnológica, como a chance de ocorrerem incêndios, explosões e vazamentos de produtos perigosos relacionados às atividades portuárias e industriais.
A base para os outros trabalhos em geografia é a pesquisa No Lageamb, ela tangencia todas as frentes de atuação e permite uma análise crítica sobre a atuação do laboratório. Boa parte dos geógrafos da equipe também são pesquisadores, como Adriano Ávila Goulart, referência na atividade dentro do grupo. Ele explica que a pesquisa em geografia permite uma análise integrada da paisagem, articulando elementos naturais, como clima, solo e litorgia, com elementos humanos e sociais “Essa abordagem holística, característica do geógrafo, é fundamental tanto para compreender a evolução das paisagens quanto para subsidiar práticas contemporâneas de ordenamento e gestão territorial”, explica.
Adriano lembra uma frase do professor Aziz Ab’Saber, ouvida ainda na graduação: “O Brasil precisa de geógrafos.” Segundo ele, essa afirmação segue atual e orienta seu trabalho. Na visão do pesquisador, as profundas desigualdades sociais do país tornam ainda mais urgente a formação de profissionais capazes de compreender e atuar sobre os territórios. “A produção do conhecimento geográfico nas universidades, especialmente nas públicas, é essencial para promover uma criticidade que contribua para um desenvolvimento mais equilibrado, com justiça na distribuição da renda, respeito às potencialidades das paisagens e valorização das áreas de proteção”.
O geógrafo começou a fazer pesquisa por querer ajudar as pessoas com o que aprendia na graduação. Com o tempo, veio a paixão pela Biogeografia e o desejo de aprofundar o estudo por meio do mestrado e, depois, do doutorado. “A universidade e o próprio Lageamb têm um papel central na reafirmação cotidiana do compromisso com a transformação do espaço geográfico a partir do olhar do geógrafo”, afirma.
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