Projeto traça retrato inédito das comunidades tradicionais na Baía de Paranaguá

Comunidades no Mapa’ é o nome do projeto que usa cartografia participativa e drones para diagnosticar as atuais formas de uso e ocupação do território pelas comunidades estuarinas da baía Paranaguá, e propor políticas públicas que protejam modos de vida tradicionais 

Por Cecilia Sizanoski

Agência Escola UFPR

A TCP, empresa que administra o Terminal de Contêineres de Paranaguá – um dos maiores na América do Sul -, está localizada dentro do Porto de Paranaguá e é responsável pela movimentação de cargas em grandes navios cargueiros. Próxima deste gigante industrial, vivem comunidades caiçaras, com modos de vida tradicional, sensíveis à urbanização no entorno. Ali, também há a Área de Proteção Ambiental de Guaraqueçaba, que abriga ecossistemas vulneráveis da mata atlântica.  

Entre as entregas previstas do projeto estão mapas, cartilhas informativas para as comunidades e um relatório resumindo todas as informações obtidas. / Foto: Vivian Cordeiro

Diante desse cenário, o projeto “Comunidades no mapa: lugares e identidades da Baía de Paranaguá” está mapeando a dinâmica territorial das comunidades estuarinas, e identificando os respectivos impactos das atividades portuárias e da especulação imobiliária. A execução do projeto é realizada pelo Laboratório de Geoprocessamento em Estudos Ambientais (Lageamb) em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e a Fundação de Pesquisas Florestais do Paraná (FUPEF). De acordo com a subcoordenadora do projeto, Vivian Cordeiro da Silva, “o Porto mudou muito as relações de trabalho, organização social e práticas culturais das populações”, avalia, “então, buscamos entender a organização social e territorial para colocá-las no mapa”. 

Surgimento do Comunidades no Mapa

A história do projeto começa em 2016, quando o TCP iniciou um processo de licenciamento ambiental para ampliação da área portuária. A resposta à solicitação veio do Conselho Municipal do Meio Ambiente (COMMA) de Paranaguá, que elaborou uma lista de demandas ambientais. Todas elas foram aceitas e estão em execução pelo TCP e, em 2022, o município exigiu o cumprimento de mais uma condicionante: a elaboração de um estudo para subsidiar um plano de ordenamento territorial voltado às comunidades de pescadores artesanais e caiçara da região. 

Neste momento, o Lageamb em parceira com a TCP, apresentou à Prefeitura Municipal de Paranaguá um escopo para iniciar o projeto junto às comunidades locais. O supervisor institucional do TCP, Octavio Eliot, explica: “A experiência técnica do Lageamb oferece segurança para conduzirmos discussões qualificadas com os técnicos da Prefeitura. Além disso, o laboratório já realizou estudos semelhantes em outras comunidades, o que reforça sua capacidade de atuação”.

O estudo era o TECA Baía dos Pinheiros, projeto pioneiro na investigação de comunidades caiçara. Através dele, foi desenvolvida uma metodologia própria para realizar o mesmo procedimento em outra área do litoral do Paraná, levando em conta a forma de organização das populações da região, que é diferente da lógica urbana. Dessa forma, as instituições fecharam um acordo para o Lageamb trabalhar na construção de um estudo-diagnóstico para subsidiar as políticas de ordenamento territorial do município de Paranaguá através de financiamento do TCP entre 2025 e 2026.

A àrea de extensão do Terminal de Cargas de Paranaguá é de mais de 300 mil metros quadrados. / Foto: Vivian Cordeiro da Silva

Passo a passo do diagnóstico

A metodologia do projeto passa por cinco etapas. A primeira delas é de planejamento e mobilização social, quando a equipe faz o contato com as lideranças comunitárias e realiza rodas de conversa para explicar o projeto. “Quando as lideranças compreendem o trabalho, elas nos ajudam a disseminar as informações para o restante da comunidade”, afirma a subcoordenadora. 

Arte: Ana Vitória Dureck

A realização das ações da primeira etapa diz respeito à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), um instrumento que diz respeito ao processo de consulta conforme preconiza a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), um instrumento internacional que estabelece que povos indígenas e tribais, assim como são as comunidades tradicionais, devem ser consultadas de forma Livre, Prévia, Informada e com Boa Fé sobre qualquer empreendimento, atividade ou pesquisa que possa impactar seus territórios. “Essa proteção é fundamental para preservar os direitos e o modo de vida das comunidades”, avalia Vivian.

O projeto vai apresentar propostas de adequação e recomendações ao Plano Diretor de Paranaguá e à gestão da APA Federal de Guaraqueçaba / Foto: Vivian Cordeiro

A fase seguinte é a cartografia participativa, que utiliza o método Mapa Falado, um mapeamento coletivo onde os moradores descrevem suas formas de organização social e territorial. Depois, vem a etapa três, de aerolevantamento, na qual a equipe vai a campo com drones para fazer voos, sobre as comunidades e gerar ortomosaicos, mapas compostos por diversas aéreas unidas, como se fossem um quebra-cabeça. Depois, essas informações são cruzadas com as da cartografia participativa. 

A quarta etapa do projeto é a busca cartorial. A equipe vai identificar todos os documentos e registros de imóveis na área para ver quantas pessoas têm documentação e entender a condição fundiária das comunidades. Por último, vem a etapa de apresentação dos resultados, com um relatório contendo recomendações para revisão do Plano Diretor de Paranaguá.  

Entre navios e canoas

O projeto abrange dez comunidades tradicionais do Litoral do Paraná, compostas majoritariamente por populações caiçara e pescadores artesanais. Das dez, duas ficam localizadas em ilhas e as outras oito estão em uma porção continental, mas como a única forma de acesso a elas é por meio de embarcações, também são tratadas como ilhas.  

Arte: Ana Vitória Dureck

Além da expansão portuária, outras ameaças surgem na região devido à industrialização acelerada, como a alta especulação imobiliária e aumento das restrições ambientais. O técnico da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo, Rodrigo Delonga, enfatiza a necessidade de consultar as comunidades sobre essas pressões para que seja realizada uma gestão responsável do território: “Não adianta impor soluções. Essas comunidades já estavam aqui antes de qualquer unidade de conservação ou projeto portuário. Elas precisam ser ouvidas”. 

O projeto representa uma tentativa de conciliar o planejamento e gestão municipal a partir das diversidades e pluralidades territoriais, preservando os modos de vida tradicionais que resistem diante das pressões de crescimento econômico e preservação ambiental. De acordo com Octavio Eliot, “o projeto é inovador por ser um dos primeiros que trata desse assunto em Paranaguá e tem grande importância para dar visibilidade às comunidades locais. Além disso, a parceria com o Lageamb é fundamental, porque conecta conhecimento técnico com a realidade dessas populações”. 

Arte: Ana Vitória Dureck

Já para Delonga, o projeto pode levantar novas informações, que serão úteis para a Prefeitura de Paranaguá se aprofundar no conhecimento sobre as comunidades tradicionais no município: “É importante conhecer o funcionamento delas para que a prefeitura possa fazer uma boa organização. Agregar as informações deles sobre eles mesmos é essencial para isso”. 

Através do projeto, se espera incluir as particularidades das comunidades caiçaras no Plano Diretor de Paranaguá e na gestão da APA de Guaraqueçaba, estabelecer diálogo permanente entre moradores e órgãos públicos, subsidiar a regularização fundiária e gerar dados sobre ocupações e usos do território. As informações servirão de base para políticas públicas que conciliem preservação cultural e ambiental com o desenvolvimento da região. 

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